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Entrevista com o Kyo e Kaoru na Kerrang (2009)



Tendo a Ásia e a América firmemente sob seu feitiço, o Dir en grey agora está prestes a se tornar um fenômeno no Reino Unido. Conseguirão as maiores estrelas do Japão lidar com isso?

NA COMPANHIA DA ESCURIDÃO

Nos bastidores, quatro dos cinco membros da banda passam o tempo nas poucas horas vagas antes da passagem de som. O baterista Shinya Terachi, bastante magro e com feições femininas, o baixista Toshiya (nome real Hara Toshimara) e o guitarrista Die (ou Andou Daisuke para a sua mãe) estão sentados em seu camarim, digitando em seus computadores.

O guitarrista e compositor principal Niikura Kaoru, conhecido apenas como Kaoru, anda ao redor do camarim, alto, autoritário e no controle, ele é um homem que admite plenamente manter suas emoções sob controle para manter seus sentimentos reprimidos, o melhor para permanecer no comando.

Apenas o cantor Kyo, escondido no ônibus da banda, não está presente. Ele tem sido descrito como enigmático, mal-humorado, não comunicativo, poeta e um gênio por aqueles que o conheceram ou ouviram a sua música. Fora do palco, ele escreve poemas em volumes sob o nome de Tooru Nishimura e afirma não ter qualquer amigo. No palco ele pode simplesmente ficar na frente da multidão e se recusar a cantar, como também pode cortar-se e derramar sangue pelo chão ou então pode simplesmente abrir a boca e despejar as letras que ele diz serem escritas a partir do lugar mais escuro que ele conhece - seu coração.

Ele raramente fala com a imprensa mas hoje ele abriu uma exceção e é atraído do ônibus da banda para o camarim, sentando-se ao lado de seu companheiro de banda Kaoru. Na maior parte da entrevista, ele deixa o guitarrista responder as perguntas, preferindo sentar-se silenciosamente em um canto, olhando malignamente a sua frente para uma parede em branco. Somente mais tarde, quando sozinho, é que ele começa a falar sobre as forças que o guiam - primeiro em respostas curtas, mas depois com crescente fluidez.

Ambos falam através de um tradutor, o inglês deles é bom o suficiente para conversas rápidas, mas não vai muito além disso. E assim, aos poucos, a história de sua banda surge nesta sala silenciosa dos bastidores - primeiro em japonês e depois em inglês.

Eles cresceram em Osaka, sul do Japão, no final dos anos 70 e 80 sem pensar muito em se tornar músicos. Exposto apenas a música nacional J-pop e a artistas internacionais que lideravam os rankings, o rock era algo quase que totalmente estranho para eles. Foi só na escola que eles começaram a ouvir mais e mais da música underground japonesa e, de repente, as coisas começaram a se encaixar.



"Nós queríamos simplesmente criar", diz Kaoru, "Nós só queríamos criar músicas que nos agradasse. Quando começamos queríamos ser diferentes de todas as outras bandas e ainda queremos. Naquela época muitas bandas se auto nomeavam bandas de rock, mas na verdade elas eram bandas pop. Naquela época queríamos ser exatamente o oposto disso: queríamos criar barulho - algo pesado e sombrio".

Conhecida como La:Sadie's - composta por quatro dos cinco membros atuais do Dir en grey - sua música era um turbilhão de ruídos densos e sombrios. O Kyo diz que ela não poderia ser classificada de maneira alguma em um gênero "era tão sombria.... não havia luz alguma".

"Nós entravamos no palco e até mesmo um set de 20 minutos era demais para mim suportar", acrescenta o Kaoru, "Não era realmente sobre música, era simplesmente uma manifestação de emoções no palco. Isso era basicamente tudo com o que nos importávamos. O que fazíamos naquela época era realmente algo muito juvenil - quase imaturo eu suponho - porque havia muita pouca coisa que era técnica ou até mesmo musical sobre a banda. Ela era simplesmente psicodélica. Eventualmente chegamos a um ponto em que percebemos que não chegaríamos a lugar algum. Então, mutuamente todos nós decidimos acabar com a banda".

Recrutando o baixista Toshiya ao longo do caminho, eles se mudaram para Tóquio em 1997 e imediatamente começaram a trabalhar em um novo material - a pedido de sua nova direção.

"Não havia quase tempo nenhum para pensar. Nossos empresários queriam que nós lançássemos um álbum o mais rápido possível, de modo que começamos imediatamente a criar música", diz o Kaoru, "Então, nós gravamos e imediatamente saímos em turnê. Sendo assim, durante seis meses, não sabíamos realmente o que estava acontecendo - as coisas estavam meramente sempre ocorrendo".

E o que estava acontecendo era extraordinário. Os shows de estreia da banda se esgotaram imediatamente. Seu primeiro CD, lançado de forma independente, chegou ao 7 lugar nas paradas japonesas - um recorde até então - e até o final de 1998 eles estavam tocando no Budokan, tendo todos os seus ingressos esgotados, local que tem capacidade para 14 mil pessoas e que hospedou previamente bandas como The Beatles, Bob Dylan, Led Zeppelin e Guns N'Roses. No contexto, a Arena O2 de Londres tem capacidade para hospedar 16 mil pessoas.

"Estávamos impressionados com a reação", admite Kaoru, "Mas foi quase impressionante demais. Tínhamos medo de que nós seríamos apenas uma febre do momento, algo temporário. Nós tínhamos medo de que iríamos explodir e desaparecer logo em seguida, temíamos que ninguém lembraria de nós. Então, nossa reação para tudo isso foi dividida -ficamos felizes que estava indo tudo bem, mas preocupados que tudo terminaria no dia seguinte. Então pensamos bastante sobre qual caminho seguiríamos. Queríamos avançar para um nível diferente em vez de apenas seguir o fluxo do mainstream".

E assim começou um ciclo que viria a ser tornar a marca registrada dos álbuns do Dir en grey: Que nenhum álbum jamais soaria parecido com o álbum anterior.

"É sempre a mesma coisa para nós - sempre que lançamos um álbum, imediatamente começamos a pensar no próximo. Nós sempre queremos fazer o próximo mais profundo, mais sombrio e mais agressivo. Queremos que cada álbum tenha um significado maior que o anterior. Especialmente naquela época. O segundo álbum é por muitas vezes uma reação contra o primeiro álbum e isso provavelmente continha um pouco de verdade para nós".

Pouco tempo após o lançamento desse segundo álbum, MACABRE, algo que mudaria a vida do cantor Kyo para sempre aconteceria. Por estar muito perto de uma flash box, usada na exibição pirotécnica no palco do Dir en grey, ele ficou surdo do ouvido esquerdo. Hospitalizado e temendo que jamais voltaria a ouvir novamente, ele entrou em um período negro de depressão.



"Eu estava com medo. Eu só tinha a música e de repente parecia que eu não seria mais capaz de fazer música", ele diz, "Isso me assustou muito. Eu não sabia o que iria acontecer. Eu sou um vocalista e se eu não for capaz de ouvir eu não poderei cantar".

O Kyo que emergiu do hospital - não completamente surdo como temia, mas com a audição de seu ouvido esquerdo permanentemente danificada - era muito diferente. Perdidos foram os enfeites berrantes, maquiagem chamativa e figurinos do movimento visual kei que a banda uma vez seguiu. Em seu lugar um novo e intenso cantor surgiu, o qual dava pouco valor aos seus próprios sentimentos no palco. Ele rasgava a sua pele na frente de multidões, arranhando seu rosto e peito, sendo guiado apenas por seus instintos. E isso é algo que ele ainda faz.

"Eu não acho que as pessoas deveriam dar tanta importância a aparência - então, a partir dai que eu comecei a me cortar no palco", diz ele, "isso marcou um ponto onde eu realmente queria me esforçar para tentar colocar mais de mim mesmo em minhas letras. Agora a maneira como tudo ocorre no palco acontece naturalmente. Isso não me assusta mas eu de fato perco o controle facilmente".

Ele é um personagem complexo. Silencioso quando sentado ao lado do guitarrista, Kaoru, é apenas quando está sozinho que ele começa a falar. No entanto, quanto mais ele fala parece ser menos possível conhecê-lo. Ele abruptamente ignora qualquer abordagem quanto ao significado de suas letras e parece não suportar as questões sobre o que o inspira dizendo apenas "Eu escrevo sobre o que eu estou sentindo no exato momento em que estou escrevendo". Mas algumas de suas letras incluem temas como estupro, aborto, abuso, obsessão sexual e religião - temas que chamaram rapidamente a atenção do Conselho de Censura Japonês para a banda.

Essas são experiências que ele vivenciou diretamente?

"Eu não quero falar sobre isso"

Essas são experiências que seus amigos já passaram?

"Eu não quero falar sobre isso"

São histórias as quais ele leu a respeito?

"Eu não quero falar sobre isso. Eu prefiro que as pessoas criem suas próprias interpretações. Quero que as pessoas ouçam a música e as letras como um todo - não se trata de escolher significados. Particularmente, é a mesma coisa de quando eu ouço um álbum americano. Eu não entendo o que a letra quer dizer, mas eu escuto os sons que o cantor emite e adiciono isso ao instrumental da música como uma coisa só. É assim que eu quero que as pessoas ouçam a nossa música".

O que está claro, no entanto, é que as letras do Kyo não estão vindo de um lugar feliz. Em traduções a maioria revela um quadro que é, na melhor das hipóteses, sombrio.

"Eu sou uma pessoa muito negativa, assim sendo, mesmo que algo bom esteja acontecendo eu sempre penso que não será algo permanente - irá desaparecer", diz ele, "Eu sinto que nunca haverá nada de bom na minha vida".

Então escrever seria uma forma de terapia para ele?

"Eu gostaria de ter algo do tipo na minha vida para me acalmar, mas eu não acho que escrever ou cantar seja isso", diz ele, "Eu não acredito que as coisas algum dia serão boas para mim. Eu gostaria de deixar de ser uma pessoa negativa, mas eu receio que se eu me tornar uma pessoa feliz e despreocupada então eu não serei mais eu mesmo".

Ele é solitário por opção, aquele que tem poucos amigos e permite que poucos se aproximem dele. Mesmo com o resto de sua banda, pessoas que ele conhece desde a infância, ele permanece distante e sozinho.

"Eu nunca conheci alguém com o qual eu conseguisse ser um amigo muito próximo", ele diz, "Muita gente pode pensar que são meus amigos mas eu nunca conheci alguém cuja personalidade se encaixasse com a minha. Há muitas pessoas com as quais eu me dou bem em um nível superficial mas eu nunca consigo me aprofundar com ninguém. No meu celular, se alguém não mantiver contato comigo por mais de seis meses eu vou deleta-lo para que eu não tenha que lembrar quem eles são".

"Não é que eu não queira que as pessoas se aproximem de mim ou me conheçam - eu só estou vivendo minha vida", ele acrescenta, "Essa é simplesmente a maneira como eu sou. Eu apenas vivo a minha vida de acordo com meus sentimentos. Eu sou o oposto do Kaoru - ele não coloca suas emoções em nada, mas eu sempre coloco. Minhas emoções são colocadas em tudo. Eu faço aquilo que eu sinto que deveria fazer".

Talvez seja esta tristeza no núcleo do Dir en grey que os faz arrecadar fãs por todo o mundo. Primeiro na Ásia em 2002, onde pessoas na China, Taiwan, Hong Kong e Coréia perseguiram o ônibus da banda pelas ruas.

"Foi muito insano. Pessoas nos seguiam em todos os lugares", diz Kaoru, "Foi demais. Nós somos uma banda de rock e queremos que as pessoas apreciem a nossa música, mas parecia que as elas estavam atrás de nós como pessoas mais do que interessados na nossa música. Estávamos nos tornando ídolos, o que não era certo".

Em 2005, com seu quinto álbum na bagagem eles estavam em turnê na Europa. Sem ter lançado um único álbum fora da Ásia, sem ter dado quaisquer entrevistas, sem ter feito nenhuma publicidade de antemão, eles esgotaram casas de shows por toda Alemanha - como sempre, encontrando fãs dispostos a cantar em uma língua que eles não entendiam.

"Nós simplesmente não acreditávamos que haveria alguém que apareceria no nosso show", diz Kaoru, "Ficamos surpresos com as pessoas que compareceram. Eu acho que a internet provavelmente ajudou. E o fato de que a cultura japonesa vem ficando cada vez mais popular - animes e esse tipo de coisa. Isso provavelmente ajudou a fazer as pessoas a nos notarem".



Um ano depois eles eram convidados do Korn no Family Values Tour de 2006 ao lado do Deftones e Stone Sour; antes de voltar para apoiar o Deftones por toda a América em 2007. E aos poucos, certamente, eles estavam se tornando um fenômeno.

Lá, eles tocariam na frente de multidões que não tinham ideia de quem eles eram e que provavelmente não se importavam. No entanto, para a sua surpresa, eles começaram a ouvir o público cantando junto em japonês. Sua turnê solo veio logo a seguir.

"É muito gratificante para nós que os fãs memorizem as nossas letras embora eles não entendem a língua", diz Kaoru, "Ao mesmo tempo, o público japonês também canta junto músicas de bandas estrangeiras, então talvez isso não seja algo tão incomum".

Hoje à noite, no Wiltern, certamente não é algo incomum para a banda. Quando o Dir en grey sobe ao palco a animação que emerge é quase selvagem - um uivo hormonal diferente de tudo o que a maioria das bandas recebem. Os segurança americanos, sobrecarregados na maior parte do tempo, estão tendo trabalho extra para conter as pessoas de subirem em tudo o que podem neste edifício de art déco. E durante todo o show um coro de americanos cantando em japonês é ouvido.

No palco, o Kyo para variar não está mutilando a si mesmo. Em certo ponto, no entanto ele pode ser encontrado sozinho no palco agachado em posição fetal. Ele começa a chorar, soluçando suavemente no início, para em seguida desenvolver em uma grande escala de histeria, gritando em prantos, berrando e em seguida gemendo no microfone em seu solitário lugar de destaque.

Na plateia, o silêncio era tanto que até mesmo um alfinete que caísse no chão poderia ser ouvido, enquanto todos permaneciam extasiados e seus olhos focavam o cantor. Em seguida, uma menina, equivocadamente grita para o Kyo, "Acaba logo com isso, porra". Ela é imediatamente atacada por três pessoas que estavam mais próximas a ela, chovem murros em sua cabeça até que os seguranças são forçados a entrar em cena. Para vocês terem uma ideia do quão elevado os sentimentos circulam entre os fãs do Dir en grey, tão bom quanto a maioria.

E esta lealdade, esta devoção, é algo que eles já adquiriram na América em apenas dois anos e três curtas turnês. É algo que eles conseguiram sem serem capazes de comunicar qualquer coisa para os seus fãs exceto sua música. Eles fizeram seu primeiro show no Reino Unido em 2007 e se a sua carreira seguir o mesmo caminho aqui como fez na América, o Dir en grey poderá ser a história mais bem sucedida de 2009. Você foi avisado.


Notas:

A primeira parte da entrevista era basicamente o entrevistador descrevendo a fila antes do show e falando sobre os fãs e com os fãs o que foi uma leitura cansativa e entediante que não envolvia a banda de maneira alguma por isso resolvi cortar esta parte.

Quando o incidente com o ouvido do Kyo ocorreu, ele achou que perderia completamente a audição de ambos os ouvidos porem apenas o seu ouvido esquerdo foi afetado.

Art déco foi um movimento popular internacional de design de 1925 até 1939, que afectou as artes decorativas, a arquitectura, design de interiores e desenho industrial, assim como as artes visuais, a moda, a pintura, as artes gráficas e cinema. Acesse o link para saber mais.

Traduzido para o português por Uka SABIR BRASIL


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